NEGOCIADO X LEGISLADO: A POSIÇÃO DO STF FRENTE À CULTURA DO SINDICALISMO BRASILEIRO

João Eduardo Cruz Cavalcanti

Recentemente, no dia 02/06/2022, o Plenário do STF julgou um recurso de uma empresa que objetivava dar validade à norma coletiva que havia suprimido direito previsto na legislação trabalhista.

Por maioria, e com repercussão geral, o STF decidiu que são válidos as convenções e acordos coletivos de trabalho que restringem ou limitam direitos trabalhistas, mesmo sem compensação, desde que não se feriam direitos previstos na Constituição Federal.

Muitos festejam tal decisão, e com razão, pois tal discussão se desenrola há quase 35 anos, desde quando promulgada a Constituição de 1988.

Num dos primeiros contatos que tive com o Direito do Trabalho, quando ainda na faculdade, lembro que assisti a uma palestra do professor do Octávio Bueno Magano, que nos deixou em meados de 2005.

Repetido como um mantra, porquanto também ouvi os mesmos ensinamentos em outras oportunidades, e fazendo coro com outros doutrinadores não menos expressivos, ele apontava que se a Constituição Federal havia conferido à negociação coletiva a prerrogativa de reduzir salários (art. 7º, inciso VI), todo os demais direitos poderiam ser objeto de negociação, vez que, se há a possibilidade de se estabelecer uma hierarquia entre os direitos trabalhistas, dentre todos eles, o salário estaria no topo.

Para quem gosta de latim, sua lição se baseava na máxima jurídica “a maiori, ad minus” (quem pode o mais, pode o menos).

Agora com a decisão sobre o Tema 1046 em Repercussão Geral pelo STF, me parece que ganha tonicidade a teoria defendida com tanta veemência pelo Professor Octávio Magano, talvez não com a abrangência que ele defendia, visto que a decisão do STF excepcionou da flexibilização os direitos fundamentais trabalhistas.

Não há como se olvidar de que tal decisão é um avanço, e que denota, sem medo de errar por excesso, a maior guinada que o Direito do Trabalho teve desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988.

Há motivos de sobra, portanto, para se festejar, principalmente por aqueles que têm uma visão liberal do Direito do Trabalho, aceitando a hipótese de que os sindicatos e as empresas que negociam os direitos de uma determinada coletividade são dotados de capacidade (no sentido mais amplo que possa ter este termo) para assim fazê-lo.

O STF, literalmente, virou a chave!!!!…

Vejo com reservas os desdobramentos que esta decisão pode acarretar.

E isto porque tenho dúvidas sobre a capacidade dos sindicatos em exercer com sabedoria o poder que lhe foi concedido pelo STF. Isto não é uma ilação, mas uma constatação que faço diante dos quase 30 anos que trabalho com o Direito do Trabalho.

Conheço entidades sindicais que detém a mesma diretoria há mais de 40 anos!!!

Não é crível que, passado tanto tempo assim, o compromisso originalmente firmado por estes dirigentes, ainda se mantenha alinhado com os verdadeiros interesses da categoria que representam.

Ainda mais agora, com a oxigenação que recebeu as negociações coletivas e o novo norte que a elas será dado, é que precisamos de sindicatos fortes e não de homens fortes nos sindicatos (o trocadilho foi necessário!!..)

Uma diretoria que se perpetua na direção de uma entidade da natureza e importância de um sindicato (quer patronal ou profissional) por tão longo tempo revela um compromisso com os interesses pessoais em detrimento dos interesses da coletividade que representam.

Não é crível que em plena Revolução 4.0 sindicatos sejam dirigidos por verdadeiras “dinastias”, por caciques apegados ao cargo, que buscam se perpetuarem no poder, escorados na própria vaidade, para se dizer o mínimo.

Se o STF mudou a chave é preciso que as categorias profissionais e empresariais também o façam, sob o risco de o novo remédio se transformar num velho e mais poderoso veneno.