JUSTIÇA DO TRABALHO E DIREITO DO TRABALHO: FAMA E VOCAÇÃO


João Eduardo Cruz Cavalcanti

Muitos de nós já ouvimos alguém falar que a Justiça do Trabalho não tem motivos para existir, por ser uma instituição onerosa e que atrapalha a atividade econômica do país.

Nos meios acadêmicos (principalmente entre aqueles que não militam na área trabalhista), é useiro e vezeiro denominar-se pejorativamente a Justiça do Trabalho como “a justicinha” (escutei isto de professores meus, pasmem!!).

Faço coro com aqueles que acham lamentável este tipo de comentário. E isto não é porque construí minha carreira nesta área por mais de 28 anos, como estagiário e advogado, mas porque se trata de um comentário escorado numa visão muito rasa e preconceituosa.

A Justiça do Trabalho teve sua origem a partir da criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923, vinculado, primeiramente, ao Poder Executivo. Mesmo com previsão expressa pela Constituição Federal de 1934, a Justiça do Trabalho só veio a ser instalada oficialmente em 1941, contando com o CNT como o órgão máximo. A jurisdição trabalhista ficou organizada desta forma: Juntas de Conciliação e Julgamento (1° instância), Conselhos Regionais do Trabalho (2° instância) e Conselho Nacional do Trabalho (3° instância).

Em 1946 a CNT foi extinta, dando lugar ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os Conselhos Regionais também passaram a ser denominados de Tribunais Regionais do Trabalho. Neste mesmo ano, com o advento da nova Constituição, a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário, permanecendo assim até os dias de hoje, passando pela Constituição de 1967, e a atual de 1988. (Leiam mais em: https://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho#:~:text=A%20hist%C3%B3ria%20da%20Justi%C3%A7a%20do,classe%20trabalhadora%20que%20se%20consolidava.)

Como se vê, estamos diante de um movimento que está chegando perto do seu centenário, o que, de inopinado, já se afasta a alegação de imaturidade institucional.

Mas o que mais ouvimos falar nas conversas de esquina é que a Justiça do Trabalho é tendenciosa, inclinando-se sempre para um dos lados: o lado do trabalhador.

E é neste ponto que devemos nos ater para clarificar nossa visão em relação à Justiça do Trabalho, pois, se há um tratamento diferente entre os jurisdicionados (patrão e empregado), esta diferença é fruto de um dos princípios norteadores do Direito do Trabalho, qual seja, o Princípio Protetor.

Ironicamente, não vejo ninguém com comentários sarcásticos acerca do Código do Consumidor assim como o fazem em relação à CLT. Talvez por desconsiderarem que tanto o Direito do Trabalho quanto o Direito do Consumidor bebem da mesma fonte principiológica: ambas ciências jurídicas têm por objetivo equilibrar a relação entre os sujeitos fortes da relação (fornecedores e empregadores) e aqueles presumidamente mais fracos (consumidores e empregados).

Olhando para ambas as disciplinas jurídicas não há como concebê-las sem que haja uma estrutura legal que contemple regras com o objetivo de fortalecer uma parte em detrimento da outra.

Neste contexto, a Justiça do Trabalho tem como obrigação republicana aplicar tais regras, o que a torna imprópria para ser alvo de críticas da natureza como se observa desde sempre.

Se há um responsável por este tratamento distinto que a Justiça do Trabalho faz entre o trabalhador e o empregador, este responsável é o próprio Direito do Trabalho, nascido na Revolução Industrial na Inglaterra, no Século XVII, com o objetivo de combater os efeitos deletérios do avanço tecnológico; o trabalho infantil; os salários baixos; a carga de trabalho elevada; a exposição ao perigo etc.

Passados algumas centenas de anos, parecem-me ainda atuais tais demandas…

Não há como se olvidar que neste entrave travado entre o capital e a mão-de-obra trabalhadora, o primeiro leva grande vantagem em relação ao segundo, justificando-se a existência desta disciplina jurídica que, como nas demais esferas do Direito, guarda em si o objetivo de regular e harmonizar relações sociais.

Para aqueles que não conseguem entender a importância de se ter uma justiça especializada para tratar das questões que envolvem o capital e o trabalho, façamos o seguinte exercício: visualizemos um(a) trabalhador(a) resgatado(a) de um trabalho análogo à escravidão; visualizemos um(a) trabalhador(a) com câncer em estágio terminal por ter trabalhado por anos exposto(a) ao amianto; visualizemos um(a) trabalhador(a) acometido de síndrome de burnout, por lhe terem retirado o direito à desconexão ao trabalho; visualizemos um(a) trabalhador(a) morto(a) a tiros por defender o patrimônio do seu empregador…

Agora, troquemos os rostos destes trabalhadore(a)s pelos rostos dos nossos filho(a)s…